Impasse ambiental trava Projeto
Jaíba
Por Marcos de Moura e Souza | De
Jaíba (MG)
Yuji Yamada, da Brasnica, entre o
plantio de banana e a mata protegida pela lei da Mata Atlantica em uma de suas
propriedades localizadas no Projeto Jaíba
Quando pôs pela primeira vez os
pés nesta faixa de terra fértil encravada no Semiárido mineiro, o japonês Yuji
Yamada - que hoje é um dos maiores produtores de banana do Brasil - viu-se
cercado de mata. Era uma floresta alta e densa, que não demorou muito para ser
derrubada.
Yamada tinha comprado a gleba num
leilão realizado pelo governo de Minas Gerais. A área fazia parte do Projeto
Jaíba, o maior projeto de irrigação da América Latina. Com a anuência do
governo do Estado, ele e dezenas de outros novos produtores
"limparam" a área para transformá-la em região produtiva e numa das
principais áreas de fruticultura do Brasil.
Tudo isso aconteceu em 2003, e
desde então grandes fazendas de frutas e complexos agroindustriais instalaram-se
no Projeto Jaíba. É daqui que saem frutas vendidas nas seções de hortifrutis de
redes como Pão de Açúcar e Carrefour, além da matéria-prima para empresas
processadoras de sucos. Uma parte menor da produção também é destinada ao
exterior.
Tudo ia ao gosto dos produtores e
do governo mineiro até 21 de novembro de 2008. Naquele dia, o então presidente
Lula e o então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, editaram um decreto
(6.660) que regulamentava dispositivos da chamada lei da Mata Atlântica (11.428).
Era o que faltava para pôr em prática a legislação feita para proteger esse
rico e sensível bioma, que já cobriu grande parte do Brasil e do qual hoje
resta menos de 8% (ou 102 mil quilômetros quadrados) de áreas remanescentes bem
conservadas.
O decreto caiu como um tronco no
colo de vários fruticultores do Projeto Jaíba, entre os quais Yamada. O
problema para eles é que entre as áreas do país que o texto passava a
considerar como área a ser protegida pela Lei da Mata Atlântica havia uma
vegetação chamada por aqui de mata seca. A mata seca (cujo nome científico é
mata decidual e semi-decidual) recobre trechos amplos de lotes de empreendimentos
agrícolas da região.
Depois que esse ecossistema foi
convertido em área protegida, ficou muito, mas muito difícil para os produtores
ampliarem suas plantações de banana, abacaxi, manga, limão e outras frutas no
Jaíba conforme tinham planejado - e conforme o Estado de Minas esperava que
eles fizessem quando leiloou as terras.
Passados três anos do decreto, o
Projeto Jaíba, um oásis irrigado com água do Rio São Francisco na região de
Semiárido no extremo norte mineiro, hoje enfrenta dificuldades para se expandir
por conta do impasse ambiental. É o que dizem produtores e é o que afirma a
equipe do governador Antônio Anastasia (PSDB).
Além do impacto para os
produtores, a legislação contribuiu para deixar uma infraestrutura cara de
irrigação operando a meia carga. A expectativa em Minas é que o novo Código
Florestal encontre uma saída para a questão.
"O decreto travou o projeto.
Além dos grandes produtores, diversos médios também estão sendo afetados",
diz Victor Purri, superintendente da Pomar Brasil, agroindústria que produz
polpa de frutas para marcas de sucos Del Valle e Tial, entre outras, e que
exporta para EUA, França, Alemanha, Austrália e até Arábia Saudita. A meta é
exportar 70% da produção dentro dos próximos anos. Hoje, essa participação está
em 40%.
Plantio de abacaxi da Pomar
Brasil em terras irrigadas do projeto: empresa já investiu R$ 70 milhões e
planeja expansão
"No nosso entendimento, o
decreto foi um absurdo técnico que traz prejuízos ao norte de Minas". O
"absurdo", para Purri, é que o Jaíba tem, desde seu início, quando um
dos objetivos era assentar famílias na zona rural, áreas de reservas ambientais
equivalentes a 40% de toda a extensão planejada para o projeto.
"Mas o decreto fala que não
se pode mais desmatar. Ou seja, quem tem um lote passou a ter de preservar uma
área de mata dentro do lote, não importa que o projeto como um todo já tenha
suas reservas", afirma Purri. Ele lembra que, "na licitação, quem
comprou terras tinha a obrigação de desmatá-las, tinha um prazo para
implementar sua produção".
A Pomar Brasil pertence ao Grupo
Brasil, do segmento de autopeças. Suas duas fazendas no Jaíba, que começaram a
ser cultivadas em 2008, somam 2,5 mil hectares, além da área da usina,
inaugurada em 2010. Só os 10 milhões de pés de abacaxi ocupam 1,5 mil hectares
da área da empresa, que já investiu R$ 70 milhões e planeja mais R$ 20 milhões
em 2012. Ao todo, são 450 funcionários.
A questão da Mata Atlântica ainda
não afetou o empreendimento, mas é só questão de tempo. "Desmatamos antes
do decreto", conta Purri. Faltam 500 hectares cobertos por mata.
"Dentro do nosso planejamento, as áreas que precisamos até agora já estão
em condição de uso, mas daqui a um ou dois anos, vamos precisar dessa área
ainda não desmatada", afirma.
A poucos quilômetros da usina da
Pomar Brasil estão as terras de Yuji Yamada. Ele é um dos principais produtores
do Jaíba, pioneiro no plantio de banana. Nascido na região de Hokkaido, no
Japão, ele veio para o Brasil com 13 anos com os pais e irmãos. Plantou banana
do Vale do Ribeira, em São Paulo, mas se desiludiu depois que seus cultivos
foram arrasados por enchentes.
Migrou para o Jaíba e dali fez
sua marca crescer. A Brasnica deve faturar este ano R$ 200 milhões, somando o
negócio da fazenda com a rede de lojas de frutas espalhada por Minas, São
Paulo, Rio, Tocantins e Distrito Federal. As bananas com o selo Brasnica são
vendidas nas lojas do Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart.
Yamada garante que é o maior
produtor particular de banana prata do Brasil. Possui três áreas de, ao todo, 3
mil hectares. Numa delas, de 1,2 mil, comprada em 2003, tem banana plantada em
cerca 400 hectares e laranja e poncã em outros 50 hectares. O resto é mata.
"Minha área é grande e não
deu para desmatar tudo desde o começo", afirma Yamada. Mas agora, ele
precisa de mais área agricultável. "A gente poderia aumentar a plantação.
Demanda, tem. Capital para investir, a gente se vira. Mas depois que virou Mata
Atlântica, travou tudo", diz, contrariado, enquanto caminha em uma das
muitas estradas de terra que recortam suas fazendas.
Segundo Detinho Araújo (PMN),
prefeito do município de Jaíba, as restrições para o desmate estão inibindo
investidores. "Há um ano, investidores da Arábia Saudita vieram aqui e
sobrevoaram a região porque estavam interessados em fazer um banco de arroz
para fornecer sementes para a África. Mas com essas histórias de meio ambiente,
acabaram desistindo", conta o prefeito da cidade de 33 mil habitantes em
cujo território está grande parte das terras irrigadas do projeto.
O projeto já recebeu o
equivalente a mais de US$ 500 milhões desde que começou a ser implementado, em
1975 - recursos do Banco Mundial, do Japão e dos governos federal e estadual.
As terras do Projeto Jaíba estão
numa área de Minas onde seria impossível brotar um pé sequer de manga não fosse
a irrigação. Durante oito meses por ano, os níveis de insolação e umidade são
comparáveis aos de um deserto. Isso é ótimo para a fruticultura, porque umidade
e muita chuva favorecem doenças e pragas.
Mas, para que as terras sejam
produtivas, é indispensável o gigantesco sistema de irrigação. O Projeto Jaíba
tem 250 quilômetros de canais que trazem água do Rio São Francisco e a
distribui por uma rede de "rios" - alguns deles chegam a ter oito
metros de profundidade - que recortam os lotes dentro de leitos de concreto.
A maior parte dos grandes
empreendimentos do Jaíba está em terras que o governo de Minas leiloou a partir
de 2003, já durante a segunda etapa do projeto. Era uma área de, ao todo, 34,7
mil hectares reservada para o agronegócio. A primeira etapa, iniciada nos anos
70 pelo governo militar, tinha outro perfil: o de assentar famílias em pequenos
lotes de 5 hectares com o intuito de frear o êxodo rural.
Desenhado para ter quatro etapas,
o projeto caminhou a passos de cágado e levou mais de 30 anos para ver apenas a
fase 2 concluída. Quando parecia que iria engrenar de novo, esbarrou na Mata
Atlântica.
"Não levaram em conta que há
26 mil famílias no Jaíba", diz Luiz Afonso Vaz de Oliveira, presidente da
Fundação Rural Mineira (RuralMinas), órgão do governo estadual co-responsável
pelo Jaíba, referindo-se à população nas áreas de plantio e nos núcleos
habitacionais da região.
"Quando o decreto foi
assinado, o próprio governo federal, por meio da Codevasf [Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba], já estava construindo o
canal para atender às futuras etapas 3 e 4 do projeto", lembra. "No
meio do caminho, veio o decreto e paralisou parcialmente o projeto". Sem
as etapas 3 e 4, trabalham com capacidade ociosa o canal feito pela Codevasf e
a principal estação de bombeamento.
"Estamos esperando o novo
Código Florestal. A expectativa é que tenha ali uma saída para o Projeto
Jaíba", diz o secretário de Agricultura de Minas, Elmiro Alves do
Nascimento. "E a própria presidente Dilma Rousseff está empenhada para dar
uma solução a essa questão para concluirmos as fases 3 e 4".
"Mata seca" é refúgio
de fauna e flora
Por De Jaíba
A vegetação apelidada de mata
seca, que está no centro da polêmica entre produtores do Projeto Jaíba e a
legislação ambiental, desempenha uma importante função para a fauna e a flora,
segundo o Ministério do Meio Ambiente.
Ela se estende do norte de Minas
- onde está o projeto de irrigação -, passa pelo oeste da Bahia e avança até o
Piauí. A vegetação que se alonga por essa mancha verde e irregular pelo centro
do Brasil é o habitat de aves e mamíferos e de diversas espécies de plantas.
"É um refúgio de flora e
fauna, um corredor biológico que do seu lado esquerdo é Cerrado e do lado
direito, Caatinga", afirma o diretor de Florestas do ministério, João de
Deus Medeiros. "Esse corredor é um grande oásis."
O nome dessa vegetação é floresta
estacional decidual ou semidecidual. Suas árvores ficam cheias de folhas por um
breve período do ano, geralmente no verão. Na maior parte do ano, ficam bem
ressequidas. A ponto de muita gente descrevê-las como uma espécie de Caatinga.
O estudo que identificou essa e
outras matas como vegetações a serem protegidas pela Lei da Mata Atlântica foi
realizado pelo IBGE e publicado em 2008. O estudo identificou regiões de mata
em diversos pontos do Brasil cujas características permitiram que passassem a
ser incluídas na Lei da Mata Atlântica.
"É um ecossistema raro em
Minas, adaptado ao ambiente inóspito no norte do Estado, onde há secas muito
longas e terra muito pobre", afirma a ambientalista Maria Dalci Ricas,
presidente da Associação Mineira de Defesa do Ambiente. De acordo com ela, essa
vegetação é um dos quatro ou cinco locais de Minas onde ainda há uma
concentração de onças pintadas, e que próximo de uma área de mata seca foi
encontrado há alguns anos um cachorro do mato vinagre, espécie que muitos
acreditavam extinta em Minas.
"Estima-se que uma vez
derrubada, a mata seca leve cerca de 100 anos para retornar ao estágio em que
estava. Isso por causa da pouca chuva e da terra pobre", explica a
ambientalista.
A Assembleia Legislativa de Minas
chegou a aprovar um projeto que retirava a mata seca do bioma Mata Atlântica. A
lei, no entanto, foi decretada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do
Estado.
Segundo Medeiros, a Lei da Mata
Atlântica confere proteção aos remanescentes da vegetação, mas abre espaço para
desmate. Se a vegetação estiver em fase inicial de regeneração, a lei permite o
uso daquela terra; em estágio médio, as restrições aumentam. "Não é que a
economia fica engessada. Há muita desinformação em relação às regras que permitem
o uso sustentável da Mata Atlântica. É desinformação ou então o interesse de
alguns setores que querem que o interesse econômico sempre prevaleça."
(MMS)
Os desafios dos pequenos
produtores
Por De Jaíba
O Projeto Jaíba tem duas faces: a
do agronegócio, com grandes áreas plantadas e investimentos elevados e a dos
pequenos produtores. Estes chegaram nos anos 80, quando o governo federal
implantou a primeira fase do projeto de irrigação. Muitos que vieram naquela
época costumam dizer que foram jogados, não assentados, devido à parca
infraestrutura de então. Os problemas daquele período, dizem algumas
lideranças, têm reflexos até hoje.
Da área ocupada pelos 1,8 mil
pequenos produtores (cujos lotes têm em média 5 hectares), cerca de 40% está
sem produzir. Muitos agricultores se queixam de dificuldade em obter crédito,
dos custos de produzir em área irrigada (que exige mais com adubo e mais
acompanhamento técnico) e do fato de que não conseguem vender seus produtos nas
cidades, ficando na mão de atravessadores. A renda de muitos desses pequenos
gira em torno de R$ 400 a R$ 500 por mês, segundo relato de agricultores
ouvidos pela reportagem.
Há, no entanto, casos de sucesso
de pequenos produtores que criaram associações para ganhar força na venda. Um
desses casos é o da Central de Associação do Jaíba (Centraljai), que tem
conseguido não somente negociar melhores preços, mas também exportar. Para
eles, o carro-chefe é o limão. (MMS)
Postado por Jacaré às
12:36
 
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